quinta-feira, novembro 15, 2007

NA CONTRAMÃO DA VIOLÊNCIA, POR UM RECIFE MAIS FELIZ



Os altos índices de violência registrados nos últimos anos na região metropolitana da cidade do Recife aliados aos inúmeros casos veiculados todos os dias na imprensa local e ao medo generalizado que tomou conta da população compõem juntos um quadro que leva o cidadão comum a refletir acerca das causas que conduziram a nossa cidade na direção da iminência do caos social. Essa reflexão passa pela busca de maneiras de atenuar os malefícios que todo esse processo veio trazer para aqueles que aqui vivem, e principalmente, passa pelo sonho de seus moradores de tornar o Recife uma cidade que saiba conviver com seus contrastes, que respeite as diferenças e trabalhe para o entendimento entre os homens, dando oportunidades aos menos favorecidos de viver dignamente, no intuito de obter uma agregação social que permita a vida em harmonia e paz.
Sonhar com um Recife em que seus cidadãos vivam em harmonia entre si, em que os direitos humanos sejam respeitados e as crianças possam brincar tranqüilas sem a ameaça de uma bala perdida não é mais “privilégio” dos moradores das comunidades mais carentes e violentas de nossa cidade, aquilo que antes víamos apenas nos noticiários de televisão, agora bate à nossa porta todos os dias, está cada vez mais próximo e mais constante, e pior, está se tornando comum. Há vinte anos atrás, quando havia uma pessoa morta no meio da rua, as mães procuravam proteger seus filhos para que não vissem aquela cena. Hoje é possível vermos as crianças rodeando os cadáveres sem a menor cerimônia, pelo contrário, ainda passam em frente às câmeras de televisão acenando com a mão, para posteriormente se verem nas telas de tv. Os casos de estupro que chegavam até às manchetes da imprensa nacional, de tão raros que eram, hoje acontecem dentro da própria família com uma constância quase que diária. Os assassinatos então, se desdobraram de tal maneira que chegam a causar congestionamento de corpos no IML. Diante de tudo isso, só uma coisa é certa, a convicção de que temos que fazer algo. Quando falo “temos” estou aqui me referindo a todos nós que fazemos parte da sociedade, todas as pessoas que pactuam com a idéia de que a violência é uma bola de neve, que precisa ser parada antes que atinja proporções irreversíveis, e para isso, precisamos identificar as causas, para depois buscarmos as soluções do problema.
A evolução histórica das grandes cidades mostra que o avanço da tecnologia aliado ao considerável aumento da população impulsionado pelo êxodo rural impossibilitou a manutenção dos empregos de uma grande parte de pais de família, sobretudo aqueles menos preparados para o mercado de trabalho, pois como bem apontou o professor alemão Adam Schaff, em seu livro A Sociedade Informática(1985), existe hoje um desemprego estrutural que tira dos menos preparados a oportunidade de emprego e de conseqüente ascensão social, condenando-os a uma vida miserável do ponto de vista material. O subemprego, a informalidade e a marginalidade foram então as alternativas que se seguiram na vida deles para satisfazer a necessidade de criar seus filhos sem contar com um apoio efetivo do Estado. A partir daí, tivemos o inchaço das áreas urbanas com o estabelecimento do processo de favelização e o desdobramento do quadro de segregação social que estimulou a violência e a disputa de classes, culminando na situação atual, onde os filhos daqueles pais de família supracitados, que cresceram sem as mínimas condições de dignidade, perderam a noção dos valores sociais estabelecidos, pois para eles esses valores não significam nada, uma vez que suas realidades são muito mais fortes do que qualquer regra imposta pela sociedade.
Partindo destes pressupostos, podemos considerar que a equalização mínima da desigualdade social é o ponto inicial para a busca de uma melhoria da situação das populações marginalizadas no intuito de atingir a redução da violência através da geração de oportunidades e diminuição da miséria. Porém, gerar oportunidades e combater a miséria é lugar comum no discurso de uma grande quantidade de políticos e homens públicos de uma forma geral, e nem por isso estamos atingindo o objetivo de diminuir a violência em nossa cidade. Dessa forma, vemos que é necessário mudar mais que o discurso é necessário mudar a trajetória das ações, precisamos, mais do que pensar no presente, preparar o futuro, precisamos mudar a realidade das crianças paralelamente à melhoria das condições de seus pais. Nesse contexto, a escola se apresenta hoje como o principal instrumento de que dispomos para atingir as mais diversas camadas da sociedade, e para dar às crianças a direção de vida que os levará a um futuro promissor na condição de cidadão. Transformar a escola é o primeiro passo na direção das mudanças sociais que farão com que tomemos a contramão do processo de banalização da violência que perpetua as ações dos marginais e se fortalece diante da pouca capacidade de reação do poder público. A mudança na visão que alguns pais, sobretudo aqueles das classes menos abastadas, têm da educação é fundamental para revertermos a idéia de desinteresse e descrédito que é atribuída à nossa escola, uma vez que a geração que hoje se encontra com idade a partir dos vinte e cinco anos, aproximadamente, é filha de pais que tiveram oportunidades de trabalho mesmo sem uma formação escolar concreta, pois o estágio de crescimento populacional do país e a demanda de mão-de-obra existente naquela época compunham um quadro que propiciava a formação do trabalhador dentro das próprias empresas devido à escassez de profissionais qualificados. Por sua vez, os alunos de hoje, sobretudo aqueles que pertencem às classes menos favorecidas de nossa sociedade, são filhos de uma geração que não encontrou as mesmas oportunidades no mercado de trabalho. Enquanto as gerações antigas de pais tinham uma visão que associava ascensão social por intermédio de uma formação escolar mais completa que proporcionaria mais oportunidades de emprego, as gerações de pais mais recentes (leia-se “camadas populares”, pois não há crise para os mais poderosos) apresentam uma frustração em termos da relação entre educação e sucesso na vida, eles foram criados acreditando que a formação escolar poderia levá-los a uma colocação no mercado de trabalho que os possibilitasse uma condição financeira capaz de constituir e criar com dignidade suas famílias, contudo, suas ilusões se perderam em função do crescimento da oferta de mão-de-obra e de uma maior necessidade de especialização do trabalhador, o que obrigou a maioria da população pobre a se sujeitar ao emprego informal e ao subemprego, com isto, vendo suas expectativas frustradas, os próprios pais não acreditam na educação como um fator de mudança social capaz de proporcionar aos seus filhos uma condição social diferente daquelas em que se encontram, muitos até conduzem seus filhos à escola muito mais como uma fuga da realidade doméstica do que com o intuito de adquirir formação para a vida. Todo esse sentimento (ou ressentimento) acumulado pelos pais faz com que eles não passem para seus filhos a crença em uma escola transformadora, capaz de mudar a trajetória de vida de cada um deles. Os filhos por sua vez, já não são tão ingênuos quanto os filhos de antigamente, e enxergam facilmente a cara do fracasso estampada em seus pais, que tiveram acesso à escola em busca de um suposto sucesso e que não apresentam condições de lhes assegurar o mínimo necessário para uma vida digna. Dessa forma, não adianta querer contar com o incentivo dos pais, isso sem falar nos alunos que nem pais têm, ou que têm a mãe ou o pai, ou até mesmo os dois, presos ou vivendo na marginalidade, até porque, estes casos já estão deixando de ser exceção para ser regra em algumas escolas de comunidades mais humildes. Além disto, as instituições hoje em dia já não têm a mesma configuração que tinham há 50 anos atrás, entre elas, a principal instituição de socialização do ser humano, a família. O que nos deparamos na realidade atual não é a perda dos valores da família, mas sim a transformação desses valores. Hoje em dia, um pai já não representa para o filho, o mesmo que representava há 30 ou 40 anos atrás, com isso, o indivíduo (sobretudo da classe pobre) já sai do seio da família sem carregar consigo, conceitos básicos de respeito ao próximo, ao superior e à própria vida, e tem ainda essas distorções alimentadas ao longo de sua vida, pela televisão, que mostra, sem critérios, exemplos tristes, como o caso da garota rica que planejou a morte dos pais, que não queriam autorizar o seu namoro. Sendo assim, a família (de uma forma geral) já não tem a força necessária para dar ao indivíduo a formação mínima que ele deveria ter ao ingressar no convívio social mais amplo. O que acontece então é a transferência desta responsabilidade para a escola, que, infelizmente, na maioria das vezes, não está preparada para corresponder a estas expectativas, ainda mais porque enfrenta uma concorrência desleal em termos de horário, ou seja, enquanto a escola permanece com o aluno durante cerca de quatro horas por dia, a família (com todas as distorções comportamentais que vemos) fica com a criança durante as vinte horas restantes, incluindo o horário da televisão. A mudança passa pelo aumento do período de permanência do aluno na escola, baseado em um projeto pedagógico bem elaborado, afastando-o do convívio nocivo, dos maus exemplos, da ociosidade, e aproveitando esse tempo extra para incentivar a prática de esportes. Ressaltando que, obviamente, o convívio com a família é extremamente edificante para a formação da personalidade das pessoas, entretanto, o excesso acaba por fazer com que a criança assimile valores negativos intrínsecos da sociedade atual, como a disputa desenfreada pelo poder, a falta de respeito mútua, a banalização da violência, a perda dos valores morais ligados à sexualidade, etc. Todos estes aspectos facilitados através da televisão, nos horários mais impróprios possíveis. É preciso tornar a escola isenta dessas moléstias sociais, é preciso que ela seja realmente um ambiente confortável e enriquecedor para nossas crianças, enfim, é preciso motivar nossas crianças a fugirem do mundo cão que os envolve, e se refugiar em ambientes saudáveis e construtivos como deveriam ser as nossas escolas.
A transformação de que precisamos só pode ser atingida se implantarmos em nossa cidade o regime de educação integral, visando proporcionar às nossas crianças a formação de uma Identidade Cidadã. A palavra integral neste caso, tem uma dupla função dentro do conceito, que seria não só a de definir o período maior de permanência do aluno no ambiente escolar, mas também definir a formação do aluno de uma forma integral, completa, total. Por Identidade Cidadã, podemos entender justamente essa formação completa do aluno na condição de cidadão, que seria exatamente quebrar o paradigma da escola que ensina apenas o conteúdo de sua grade curricular, mas que, utilizando-se desse tempo adicional concedido pela prática da Educação Integral, procura formar o cidadão, cunhado em uma assimilação das práticas sociais corretas do ponto de vista moral e ético da sociedade, através da convivência harmoniosa e enriquecedora com os seus pares, guiado por uma proposta pedagógica bem elaborada e eficaz. Para atingir esse objetivo, as mudanças não devem ser pontuais, não devem buscar culpados, não devem ser compostas só de discursos, devem sim ser sistêmicas, estruturais, processuais, apoiadas na implantação da Educação Integral como alternativa para tornar as escolas mais interessantes para nossos alunos, dando-lhes oportunidade de viver dignamente uma boa parte do dia, com a realização de atividades lúdicas, esportivas, culturais e educativas, visando formar o cidadão e construir uma sociedade de homens e mulheres honestos e de paz que busquem a convivência em harmonia e recuperem a vontade de viver a partir da construção de valores sólidos que, certamente, nortearão as suas trajetórias, levando em consideração ainda que a mudança de postura dos filhos certamente influenciará a atitude dos pais, pois não há nenhuma campanha publicitária que consiga uma penetração maior na consciência do adulto que o exemplo dado pela criança.
Paralelamente às mudanças supracitadas na área da educação, que garantirão a mudança do quadro da violência a médio e longo prazo, é necessária também a implantação de mudanças mais pontuais e repressivas. O nosso mais importante instrumento de combate à violência generalizada é, sem dúvida alguma, a Polícia Militar, Instituição séria e secular que procura trabalhar da melhor maneira para reprimir atos em desacordo com as regras legais impostas pela sociedade. Mas precisamos estar cientes que a instituição PM é feita de homens e mulheres, e que o bom desempenho da mesma passa por uma otimização das condições de trabalho dos profissionais citados, sobretudo os soldados, cabos e sargentos, que lidam mais diretamente com a violência nas ruas. Esses profissionais são, na sua grande maioria, emergentes das camadas mais populares da nossa sociedade, não contando normalmente com uma estrutura socioeconômica que lhes permitam proporcionar às suas famílias uma boa condição de vida. Sabendo-se carente de uma melhor condição para atender à sua família, nossos admiráveis militares perdem qualidade no desempenho de suas tarefas e se tornam alvos fáceis da corrupção e das milícias particulares, que os levam a uma jornada extra de trabalho culminando na perda da qualidade dos serviços prestados à população, dos quais deveriam ser exclusivos. Entretanto, o simples aumento dos patamares salariais da corporação não representa a garantia da mudança desse quadro. É preciso mais, é preciso garantir ao militar uma boa condição de vida para os seus familiares, que muitas vezes são vizinhos dos marginais que ele deve combater em seu trabalho, e que ficam à mercê destes quando da saída do militar para a labuta. Para a garantia dos direitos sociais tais como: moradia digna, escola de boa qualidade, lazer, saúde e segurança, uma medida relativamente simples é suficiente, a criação de vilas militares nos moldes das que possuem as Forças Armadas, vilas residenciais que ofereçam ao militar e sua família uma melhor qualidade de vida contemplando os benefícios sociais já citados, contudo, esses imóveis devem pertencer ao Estado, não para serem financiados e adquiridos pelos militares, mas sim criar-se um espaço com clube, escola, posto de saúde e segurança dos próprios PM’s, cujos imóveis seriam cedidos aos mesmos em regime de concessão, para que sejam devolvidos para o Estado quando da passagem do militar para a inatividade. Isso faria com que o militar, ciente da boa condição que representa para a sua família a sua permanência no serviço ativo da PM, incorpore um espírito de máximo compromisso com a corporação, aliado à certeza de que uma transgressão cometida pelo mesmo poderá causar malefícios aos seus familiares, além de constituir um ambiente comum, visto que todos os moradores terminam se agregando à causa da Instituição. Outro fator importante seria o acompanhamento por parte da Instituição do ritmo de vida dos militares, o que facilitaria substancialmente a tomada de medidas quando da percepção de qualquer desvio de conduta. Simultaneamente poderia ser elaborado um plano de financiamento habitacional para proporcionar ao militar a possibilidade de adquirir um imóvel próprio quando da passagem para a inatividade.
Outras medidas mais pontuais devem ser tomadas na intenção de resgatar jovens que se encontram em situações de risco, a ponto de serem levados pelas aparentes facilidades da marginalidade, porque na verdade o acontece é que ninguém nasce com uma predeterminação de ser marginal, apenas faltam oportunidades e opções dadas pelo poder público para que estas pessoas se encaminhem na direção do bem e da cidadania. Nenhum jovem trocaria, por exemplo, o glamour de uma carreira esportiva para enveredar no submundo do crime, entretanto, não existem opções, nossos campos de futebol de várzea foram tomados pela especulação imobiliária e pelas ocupações ilegais, oriundas do processo de favelização. É possível proporcionar opção nesta área com medidas simples como, por exemplo, uma parceria entre as nossas universidades, comunidades, clubes de futebol e administrações estadual e/ou municipal. Com o pagamento de uma bolsa para estagiário nossas administrações públicas poderiam angariar junto às universidades jovens estudantes de Educação Física, os mesmos seriam levados aos nossos grandes clubes de futebol para a realização de um período de estágio que lhes renderia, além de um certificado, a experiência mínima para trabalhar com jovens candidatos a atletas nas comunidades carentes, por sua vez, os líderes comunitários ficariam responsáveis pela divulgação nos bairros e pela garantia do espaço esportivo nos horários estabelecidos, um só jovem professor poderia trabalhar cinco comunidades diferentes durante a semana, e nossos clubes poderiam contar com a aquisição de jovens talentos surgidos dentro do programa para engrossar suas fileiras de atletas. Vale lembrar que a iniciativa pode ser realizada em outros esportes que não apenas o futebol, garantindo a prática esportiva saudável, lazer e esperança para aqueles que não contam com boas perspectivas de vida, além de mostrar a presença efetiva do poder público junto às comunidades.
Outra opção de ocupação digna para nossos jovens seria a criação de espaços esportivos livres, com a presença de um só funcionário, que poderia também ser um aluno universitário estagiário, que ficaria responsável pelo empréstimo de bolas aos usuários e por regular as atividades nas dependências do espaço.
Para finalizar nossas idéias, é importante que se faça a valorização dos exemplos, que se levem às escolas e às comunidades, exemplos de pessoas bem sucedidas que saíram de situações como as daqueles que vivem em regiões carentes da cidade e que obtiveram êxito em suas profissões, servindo como ícones para nortear a trajetória dos mais novos. Levar jogadores de futebol, militares das forças armadas, e outros profissionais que sempre estimulam a imaginação e a capacidade de sonhar de nossas crianças é fundamental para que eles compreendam que é possível reverter o quadro de desfavorecimento que se apresenta em suas vidas.
Por fim, para mudarmos a situação atual da violência na cidade do Recife, é necessário pensarmos muito mais as pessoas e menos os fatos isoladamente, precisamos descobrir quem é o homem por trás do marginal que nos assalta no sinal de trânsito, qual sua situação, qual sua carência, qual sua história. E mais importante, em que ponto de sua trajetória de vida poderíamos ter mudado o final, quando os valores se perderam, o que fazer para impedir que outros em igual situação não sigam esse mesmo caminho. Só assim, contando com um esforço coletivo, com cada setor da sociedade cumprindo a sua parte, poderemos atuar na contramão da violência e vislumbrar um Recife mais feliz, o Recife dos nossos sonhos.
- Agradeço à Fundação Byron Sarinho pela Menção Honrosa concedida ao texto acima, em decorrência da oitava colocação obtida no 1º Concurso de Textos da referida Instituição.

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